A fala com gagueira é produto de um funcionamento subjetivo/discursivo singular que afeta o funcionamento motor da fala
O funcionamento subjetivo é marcado, principalmente, por 3 aspectos que se desenvolvem na primeira infância e estão relacionados ao modo como os adultos significativos na vida da criança reagem à sua fala, especialmente sua rejeição às disfluências típicas da infância:
1) a falta de confiança na capacidade de falar;
2) a previsão de sons ou palavras com gagueira na fala que está para
ser pronunciada, para tentar não gaguejar;
3) uma imagem estigmatizada de falante que precisa ser ocultada.
No corpo, o efeito desse funcionamento subjetivo é algum grau de tensão na musculatura respiratória durante a fala, que pode chegar ao total fechamento da saída do ar quando a pessoa tenta falar as palavras em que previu gagueira. Tal fechamento produz quebras no fluxo da fala – conhecidos na literatura como travas ou bloqueios-, bem como movimentos articulatórios tensos como o prolongamento excessivo de certos sons.
O funcionamento discursivo, gera varias estratégias para tentar fugir da gagueira prevista, tais como: trocas de palavras; repetições de sons ou palavras que antecedem o lugar previsto para a gagueira; inserções de sons desnecessários; mudanças no curso das frases e até mesmo desistência de falar.
Tal funcionamento se auto-sustenta em um circulo vicioso: a imagem estigmatizada de falante alimenta o desejo de fugir da gagueira, que sustenta a previsão de gagueira, que gera as tensões corporais, que alimentam a falta de confiança na fala, que sustenta a imagem estigmatizada.
Tal funcionamento, ainda, se enquadra na lógica paradoxal de tentar o espontâneo conforme descrita por Watzlavick, Beavin e Jackson6 a medida que falar é uma ação espontânea e automática (sabe-se falar, mas não se sabe como se sabe) sobre a qual incide a previsão de gagueira e a tentativa.
Nesse funcionamento tem lugar central o olhar do outro, a impressão de estar sendo julgado pelo outro na situação de comunicação, o que está
ligado à variação e até ao desaparecimento da gagueira, de acordo com a situação de comunicação e com os diferentes interlocutores.
A partir dessa compreensão, o trabalho terapêutico proposto visa romper esse circulo vicioso ou essa lógica subjetiva a partir de:
– ações que permitam a construção de confiança na fala;
– ações que permitam sentir-se capaz de suportar a gagueira prevista
(assumir-se com gagueira) em vez de usar estratégias de fuga;
– ações que permitam romper a concepção estigmatizada de si como
falante.
A partir disso propõe-se que o tratamento da gagueira7-8 não se enquadra nos formatos já estabelecidos das terapias fonoaudiológicas ou psicológicas e que não há sentido na ideia habitual de que o tratamento deva ser dividido entre o fonoaudiólogo e o psicólogo. O tratamento da gagueira implica uma articulação singular de, no mínimo, três campos de conhecimento: fonoaudiológico, linguístico/discursivo e psicológico e requer especialização do profissional.
Silvia Friedman
Fonoaudióloga / CRFa 2-4022
Doutora em Psicologia Social
Profa. Titular (aposentada) da PUCSP
www.gagueiraesubjetividade.info
silfrieman@yahoo.com.br
conhecimento: fonoaudiológico, linguístico/discursivo e psicológico e requer
especialização do profissional.
Referencias
1- FRIEDMAN, S. Gagueira Origem e Tratamento, Plexus Editora,
4o edição revista e ampliada, 146p. 2004
2- FRIEDMAN, S. A Construção do Personagem Bom Falante, Summus Editorial, 185 p., 1994
3- FRIEDMAN, S. Fluência de Fala: Um Acontecimento Complexo
cap. 47 Em DREUX, F. et al. Tratado de Fonoaudiologia, 2o ed. pp.
443-448, Roca Editora, 2010
4- FRIEDMAN, S. “Analisis del Funcionamiento Discursivo en la
Tartamudez, www.espaciologopedico.com: 2004
5- FRIEDMAN, S. A Gagueira e o Mito da Fluência Absoluta, Revista
Pátio – no 74, – pp. 26 a 29 – ano xix maio/julho, 2015
6- Watzlawic, P, Beavin, JH, Jackson DD, Pragmatics of Human
Communication, WW Northon & Company, Inc. 1967
7- FRIEDMAN, S & CUNHA (orgs.). Gagueira e Subjetividade:
possibilidades de tratamento, S. Artmed Editora LTDA, Porto
Alegre, RS, 159 p., 2001
8- FRIEDMAN, S. & OLIVEIRA, PS. “Clínica da Gagueira: Diferentes
Paradigmas e suas Consequências In: David, RHF & Silva, PB (orgs)
Cadernos da Fonoaudiálogo – série Linguagem série Linguagem,
São Paulo, Lovise, v. 1, pp: 7-13, 2006